19 de agosto - No Dia Mundial da Fotografia, entenda como a tecnologia transformou o registro de momentos em um instrumento universal de comunicação, e as implicações éticas e jurídicas que o acompanham
No dia 19 de agosto é celebrado o Dia Mundial da Fotografia, data que vai além da valorização artística para ressaltar também os avanços tecnológicos e os impactos socioculturais e jurídicos relacionados ao uso da imagem. Mais do que um registro estético, a fotografia se consolidou como uma ferramenta universal de comunicação, capaz de preservar eventos históricos, transmitir narrativas e despertar emoções. Sua força está na possibilidade de transformar o efêmero em permanente, criando conexões entre gerações por meio de um único retrato.
A escolha do 19 de agosto como Dia Mundial da Fotografia está ligada a um marco histórico. Em 1839, o governo francês adquiriu a patente do daguerreótipo, processo desenvolvido por Louis Daguerre que permitiu a popularização da produção de imagens e abriu caminho para inovações tecnológicas posteriores. A primeira experiência bem sucedida conhecida ocorreu ainda em 1826, quando Joseph Nicéphore Niépce produziu a primeira heliografia, que exigiu cerca de oito horas de exposição. Desde então, os avanços foram constantes, culminando na chegada das câmeras digitais e dos dispositivos móveis, que tornaram a captura e o compartilhamento de imagens quase instantâneos e transformaram a relação da sociedade com a fotografia.
Cada fotografia é mais do que um simples registro: ela desperta memórias, emoções e reflexões. Seja ao revelar a alegria de um momento, a beleza de uma paisagem ou a intensidade de uma expressão facial, a imagem se consolida como um instrumento versátil, presente na arte, no fotojornalismo, na documentação histórica e também na pesquisa científica. No meio acadêmico, a fotografia desempenha papel fundamental ao esclarecer conceitos complexos, enriquecer investigações e facilitar a compreensão do conhecimento. No entanto, o poder dessa ferramenta vem acompanhado de uma responsabilidade: garantir que seu uso seja guiado por princípios éticos e pelas normas legais que regem tanto os direitos autorais quanto a proteção da imagem das pessoas retratadas.
No Brasil, as fotografias são protegidas pela Lei nº 9.610/98, conhecida como Lei de Direitos Autorais (LDA). A legislação reconhece a fotografia como uma “criação do espírito” e assegura ao fotógrafo direitos exclusivos sobre sua obra. Esses direitos — de natureza moral e patrimonial — são adquiridos de forma automática no momento em que a imagem é capturada, sem necessidade de registro formal. O dispositivo legal reforça o valor da originalidade e do trabalho criativo envolvidos em cada produção fotográfica.
Os direitos morais são inalienáveis e irrenunciáveis, permanecendo sempre vinculados ao autor. Eles asseguram a paternidade da obra — exigindo a devida citação do fotógrafo em qualquer uso da imagem — e o direito à integridade, que impede alterações ou descontextualizações sem autorização do criador. Já os direitos patrimoniais se referem à dimensão econômica da fotografia, abrangendo reprodução, distribuição, adaptação e comunicação pública. Nesse aspecto, até mesmo o uso acadêmico — em artigos, apresentações ou materiais audiovisuais — exige autorização expressa do detentor desses direitos. Importante destacar que a compra de uma fotografia ou de seu arquivo digital não concede ao adquirente o direito de utilizá-la livremente. Para qualquer exploração da obra, é necessária a obtenção de uma licença de uso, garantindo conformidade legal e respeito à propriedade intelectual.
A LDA contempla situações específicas em que a utilização de uma obra pode ser realizada sem a prévia autorização do autor. Tais exceções, de caráter restritivo, incluem:
Citação para fins de estudo, crítica ou polêmica: permite a reprodução de fragmentos da obra, desde que contextualizados e acompanhados da devida atribuição de autoria. Esta exceção visa fomentar o debate intelectual e a produção de conhecimento científico.
Reprodução parcial para uso privado e sem fins comerciais: autoriza a reprodução de partes da obra para consumo pessoal, desde que desprovida de finalidade lucrativa.
Obras em domínio público: fotografias cujo autor tenha falecido há mais de 70 anos ou que tenham sido divulgadas há mais de 70 anos são consideradas de domínio público, permitindo sua livre utilização. Contudo, a verificação da origem e do status legal da obra é sempre recomendável.
É crucial salientar que o ordenamento jurídico brasileiro não adota o conceito de "fair use" presente em outras jurisdições, como a norte-americana. As exceções à exigência de autorização são interpretadas de forma estrita, e qualquer uso que possa infringir os direitos do autor deve ser evitado. A adoção de uma postura cautelosa é fundamental para mitigar riscos jurídicos.
Além do direito autoral, a legislação brasileira assegura, pela Constituição Federal, o direito de imagem, que protege a autonomia e a privacidade das pessoas. Esse direito garante ao indivíduo o poder de decidir sobre o uso de sua própria representação visual, sendo especialmente relevante em pesquisas acadêmicas e publicações científicas.
A distinção entre os dois conceitos é essencial: enquanto o direito autoral protege a obra fotográfica e pertence ao fotógrafo, o direito de imagem protege a pessoa retratada e pertence exclusivamente a ela. A distinção conceitual entre direito autoral e direito de imagem é fundamental:
•Direito Autoral: Tutela a obra intelectual em si, sendo de titularidade do criador da imagem.
•Direito de Imagem: Protege a pessoa retratada na imagem, sendo de titularidade do indivíduo. Assegura que a representação visual de uma pessoa não seja empregada sem seu consentimento, visando à preservação de sua privacidade e dignidade.
Quando uma fotografia retrata uma pessoa identificável, sua utilização pode depender de duas autorizações distintas: uma do fotógrafo, relacionada ao direito autoral da obra, e outra da pessoa retratada, referente ao direito de imagem. Essa dupla exigência é considerada fundamental para garantir a conformidade ética e legal no uso de imagens que envolvem seres humanos, especialmente em contextos acadêmicos, científicos e de divulgação pública.
No meio acadêmico, o uso de imagens de indivíduos exige mais do que uma formalidade: trata-se de um compromisso ético e legal. Para garantir essa proteção, são utilizados o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ou o Termo de Autorização de Uso de Imagem e Voz. Esses documentos detalham pontos fundamentais, como:
a finalidade do uso da imagem,
os canais de divulgação,
medidas para preservar a identidade quando necessário,
a gratuidade da autorização,
e a possibilidade de o consentimento ser revogado a qualquer momento.
As Resoluções do Conselho Nacional de Saúde, em especial a 466/2012, reforçam que esse cuidado é obrigatório em pesquisas que envolvem seres humanos, assegurando transparência e respeito aos participantes.
Em situações específicas, o rigor é ainda maior:
Crianças e adolescentes: a autorização deve ser dada pelos responsáveis, e os menores também precisam manifestar assentimento quando tiverem maturidade para compreender o processo.
Locais públicos: fotografar é permitido, mas a divulgação de imagens de pessoas identificáveis pode demandar consentimento adicional.
Arquivos e domínio público: mesmo em obras sem restrição autoral, os direitos de imagem da pessoa retratada podem continuar vigentes.
Licenciamento e Creative Commons: paradigmas de compartilhamento e reutilização de conteúdo visual
Nem sempre o uso de imagens exige processos burocráticos ou negociações diretas com os detentores dos direitos autorais. Uma solução cada vez mais comum no meio acadêmico e criativo é a adoção das licenças Creative Commons (CC), que oferecem regras padronizadas e juridicamente válidas para a reutilização de obras. Entender as diferentes modalidades de licença é fundamental para garantir conformidade legal e respeito à propriedade intelectual:
CC BY (atribuição) – permite reutilização, inclusive comercial, desde que o autor seja creditado. É a mais permissiva entre as modalidades.
CC BY-NC (atribuição – não comercial) – autoriza a reutilização apenas em contextos não comerciais, sempre com atribuição ao autor.
CC BY-ND (atribuição – sem derivações) – permite uso e atribuição, mas proíbe alterações ou adaptações da obra.
CC BY-SA (atribuição – compartilha igual) – libera o uso, inclusive comercial, desde que a obra derivada seja licenciada nos mesmos termos.
CC BY-NC-ND (atribuição – não comercial – sem derivações) – é a mais restritiva: só permite uso não comercial, com crédito ao autor e sem a criação de obras derivadas.
CC BY-NC-SA (atribuição – não comercial – compartilha igual) – autoriza uso não comercial, com atribuição, e exige que obras derivadas sigam a mesma licença.
As licenças Creative Commons oferecem, portanto, um equilíbrio entre liberdade e proteção, permitindo que fotógrafos, pesquisadores e instituições compartilhem conteúdos de forma mais aberta, sem abrir mão do reconhecimento e da segurança jurídica.
Em todas as modalidades de licenças Creative Commons (CC), o crédito ao fotógrafo ou criador da obra é um requisito inegociável. Essa prática garante o reconhecimento do mérito do autor e preserva a integridade da autoria, independentemente de como a imagem venha a ser reutilizada.
As licenças CC se consolidaram como um importante instrumento de incentivo à cultura do compartilhamento, ao permitir que obras circulem de forma mais aberta e colaborativa. No entanto, sua correta aplicação exige atenção às cláusulas específicas de cada tipo de licença, a fim de assegurar a observância das normas éticas e legais que regem o uso de imagens.
Em um cenário de vasta disponibilidade de conteúdo visual, a identificação de fontes seguras para a aquisição de imagens é um imperativo para a mitigação de riscos jurídicos e a garantia do respeito aos direitos autorais e de imagem. A seguir, apresentam-se categorias de fontes confiáveis:
•Bancos institucionais e acervos públicos: Plataformas como Wikimedia Commons, Domínio Público, e os acervos digitais de instituições museológicas e bibliotecas constituem repositórios de imagens que se encontram em domínio público ou que são disponibilizadas sob licenças que permitem sua livre utilização, frequentemente com a devida atribuição de autoria.
•Bancos de imagens com licenças abertas: Sítios eletrônicos como Unsplash, Pexels e Pixabay oferecem um vasto acervo de fotografias de alta resolução, cedidas por fotógrafos sob licenças que autorizam o uso gratuito, inclusive para fins comerciais, com ou sem a exigência de atribuição (a verificação da licença específica de cada imagem é obrigatório).
•Produção autoral ou colaborativa: A estratégia mais robusta para assegurar a conformidade legal na utilização de imagens consiste na produção própria ou na obtenção de material de colaboradores, sempre acompanhada da documentação formal de autorização e autoria. Esta abordagem elimina a necessidade de preocupações com direitos autorais de terceiros.
É indispensável evitar o uso de imagens retiradas aleatoriamente da internet sem antes verificar a licença de utilização. Embora a web seja um enorme repositório de informações, grande parte do conteúdo visual disponível está protegida por direitos autorais. A legislação presume que toda imagem possui proteção autoral, salvo indicação expressa em sentido contrário.
O uso não autorizado de fotografias ou imagens de pessoas pode desencadear graves consequências jurídicas, seja por desconhecimento das leis ou por negligência. Em ambientes acadêmicos e profissionais — onde ética e integridade são fundamentais — a prevenção desses riscos é crucial. Entre os principais desdobramentos legais estão:
Processos cíveis: O uso indevido pode resultar em ações judiciais por danos materiais, como lucros cessantes, e danos morais, como violação de privacidade e constrangimento. O valor das indenizações costuma variar conforme a gravidade da infração e seus efeitos.
Processos criminais: Em situações mais graves, a reprodução não autorizada de imagens protegidas por direito autoral pode configurar crime, sujeitando o responsável a pena de detenção e multa, conforme prevê a legislação.
Sanções institucionais: No campo acadêmico, o plágio ou uso indevido de imagens pode acarretar sérias punições disciplinares, como reprovação, suspensão, cassação de títulos ou, em casos extremos, desligamento da instituição. Esse tipo de conduta pode comprometer de forma irreversível a reputação profissional e acadêmica do infrator.
Cabe ressaltar que a obrigação de utilizar imagens conforme a lei é sempre do usuário. O desconhecimento das normas não exonera de responsabilidade, e as consequências podem ser duradouras e extremamente prejudiciais.
Para garantir o cumprimento das normas éticas e legais na utilização de imagens em produções científicas, é fundamental adotar um conjunto de boas práticas que protegem o pesquisador de possíveis problemas jurídicos e fortalecem a credibilidade do estudo:
Atribuição de autoria e referência da fonte: Assim como nas citações textuais, é obrigatório mencionar o autor da imagem, a origem (como plataforma digital, banco de imagens ou publicação) e, quando aplicável, informar a licença de uso correspondente.
Inclusão de créditos iconográficos: Em artigos, dissertações, teses e apresentações, recomenda-se criar uma seção específica para listar todas as imagens utilizadas, indicando suas fontes e créditos. Essa transparência reforça a seriedade e o rigor acadêmico da pesquisa.
Preservação da integridade da obra original: É importante evitar alterações significativas que possam distorcer a imagem ou comprometer a obra original, pois isso pode violar os direitos morais do autor e, em alguns casos, o direito de imagem das pessoas retratadas.
Documentação formal das permissões: Deve-se manter organizada toda a documentação relacionada às autorizações de uso, como Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLEs), licenças e trocas de comunicação que comprovem a licença para utilização das imagens. Essa documentação é essencial para resguardar o pesquisador diante de eventuais questionamentos.
O Dia Mundial da Fotografia vai além da simples celebração estética, representando uma oportunidade para refletir sobre a importância da fotografia na ciência, na educação e na sociedade atual. A adoção de um uso ético e legal das imagens é essencial para garantir o respeito aos direitos dos fotógrafos, proteger a dignidade e a privacidade das pessoas retratadas, e fortalecer a integridade e a confiabilidade da produção científica. Cada fotografia é um registro único que carrega valor artístico e humano, exigindo responsabilidade e ética no seu uso. Ao seguirmos esses princípios, valorizamos a arte da fotografia e contribuímos para uma ciência mais justa, humanizada e consciente do seu impacto, promovendo o conhecimento com rigor e respeito.
Um fotógrafo chamado “arquivo”: a complexidade dos direitos autorais da obra fotográfica
Creative Commons, mídia e as transformações recentes do direito da propriedade intelectual
Autoria do texto original: Andréa Pereira Simões Pelogi
Revisão técnica: Yuri Bittar
Data de Publicação: 19/08/2025
Aviso: As informações apresentadas neste artigo têm caráter informativo e não substituem orientação profissional especializada. O Departamento de Informática em Saúde não se responsabiliza por eventuais erros ou interpretações incorretas do conteúdo divulgado.