Quando o raro exige atenção: um olhar digital sobre a Crigler-Najjar

Análise inédita da Unifesp demonstra desafios no diagnóstico precoce, na coleta de dados e na equidade no acesso aos testes genéticos da Síndrome de Crigler-Najjar no Brasil

Uma doença rara é uma condição que afeta a saúde de um pequeno número de pessoas. Existem milhares de doenças raras já descritas. Por isso, embora cada doença rara afete um número relativamente pequeno de pessoas, juntas elas impactam milhões de brasileiros. Esse conjunto de condições representa um desafio crescente para o sistema de saúde, tanto pelo diagnóstico complexo quanto pelas limitações no tratamento e acompanhamento.

A desinformação sobre doenças raras ainda é um obstáculo, inclusive entre profissionais de saúde. Devido à baixa prevalência dessas condições, muitos profissionais encontram poucos ou nenhum caso durante toda a carreira, o que dificulta o reconhecimento dos sinais clínicos. Como consequência, os diagnósticos são frequentemente tardios ou incorretos, atrasando intervenções que poderiam ser essenciais para o prognóstico do paciente.

A  detecção precoce é um grande desafio, pois muitas doenças raras manifestam-se logo após o nascimento ou na primeira infância, mas seus sintomas podem se confundir com condições mais comuns. Sem a suspeita clínica adequada e o acesso a exames específicos, o diagnóstico pode levar meses ou até anos.

Por isso, não é de se surpreender que a subnotificação seja mais um problema relacionado às doenças raras. Muitos casos não são adequadamente registrados nos sistemas de saúde, seja pela ausência de confirmação diagnóstica, pela falta de padronização nos registros ou pela omissão de informações essenciais. Essa lacuna afeta não apenas o acompanhamento individual, mas também a compreensão epidemiológica dessas doenças no país.

Por fim, o alto custo dos testes genéticos constitui uma barreira importante. Embora esses exames sejam essenciais para a confirmação diagnóstica e o planejamento terapêutico, seu acesso ainda é limitado no sistema público de saúde. Essa restrição impacta principalmente populações vulneráveis e famílias de menor renda.

Síndrome de Crigler-Najjar

A Síndrome de Crigler-Najjar (CNS) exemplifica os desafios enfrentados no cuidado de doenças raras. Trata-se de uma condição genética cuja manifestação ocorre logo após o nascimento. O recém-nascido apresenta incapacidade de metabolizar adequadamente a bilirrubina devido a uma alteração na enzima hepática, a UGT1A1 (UDP-glicuronosiltransferase), responsável por sua conjugação. Esse acúmulo de bilirrubina leva à icterícia neonatal grave.

Existem dois tipos principais:

Tipo 1 (CNS1) caracteriza-se pela ausência completa da atividade da enzima UGT1A1, sendo a forma mais grave da doença. Nessa condição, a bilirrubina atinge níveis extremamente elevados, com alto risco de acúmulo no sistema nervoso central. Isso pode levar a complicações neurológicas, como encefalopatia bilirrubínica e kernicterus, capazes de causar danos cerebrais permanentes. Atualmente, o transplante hepático é a única cura definitiva para essa forma da síndrome.

Tipo 2 (CNS2): apresenta deficiência parcial da enzima, UGT1A1, resultando em sintomas mais brandos e menor risco de lesões neurológicas permanentes. A icterícia é menos intensa e os níveis de bilirrubina, embora elevados, são mais controláveis. O fenobarbital tem se mostrado eficaz no tratamento, e o transplante hepático é necessário apenas em casos raros.