Como a agilidade do diagnóstico e a precisão tecnológica estão transformando a luta contra o AVC, conectando pacientes a especialistas e impulsionando a prevenção no Brasil
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) representa uma das maiores emergências médicas e um desafio significativo para a saúde pública global. Mundialmente, é a segunda principal causa de morte, sendo responsável por aproximadamente 11% do total de óbitos [1]. No Brasil, o cenário é igualmente preocupante, com o AVC figurando entre as principais causas de mortalidade e incapacidade, ceifando uma vida a cada 6 ou 7 minutos [2].
Nos últimos anos, o país registrou dezenas de milhares de óbitos anuais devido ao AVC, e os custos com internações relacionadas à doença ultrapassaram R$ 910 milhões em seis anos, evidenciando o alto impacto social e econômico [2, 3]. Embora tenha havido uma redução na mortalidade por AVC em algumas regiões (cerca de 62% em certos períodos), persistem desafios consideráveis, especialmente no acesso equitativo ao tratamento e à prevenção [4]. A prevalência de incapacidade pós-AVC atinge uma parcela significativa da população, com taxas de 29,5% em homens e 21,5% em mulheres, aumentando com a idade [5].
A Organização Mundial do AVC estima que mais de 12 milhões de pessoas sofrerão um AVC globalmente este ano, com 6,5 milhões de mortes resultantes. Um dado crucial é que cerca de 90% dos derrames são considerados preveníveis, o que sublinha a importância de campanhas de conscientização e medidas preventivas [6]. Nesse contexto, datas como o Dia Mundial do AVC desempenham um papel fundamental na educação pública sobre fatores de risco, sinais de alerta e a urgência do tratamento precoce.
A máxima "tempo é cérebro" é a pedra angular no manejo do AVC. A cada minuto de isquemia cerebral sem intervenção, milhões de neurônios morrem, aumentando exponencialmente o risco de sequelas neurológicas permanentes e mortalidade. A janela terapêutica para tratamentos como a trombólise, que pode reverter os danos do AVC isquêmico, é extremamente curta, geralmente de poucas horas após o início dos sintomas [7].
O reconhecimento imediato dos sinais de alerta pela população é, portanto, o primeiro e mais crítico passo. Os sintomas do AVC surgem de forma súbita e podem incluir [8, 9]:
Fraqueza ou dormência súbita em um lado do corpo (face, braço ou perna).
Dificuldade para falar ou compreender a fala (fala enrolada, dificuldade em encontrar palavras).
Desvio da rima labial (boca torta).
Perda súbita de equilíbrio ou coordenação.
Alteração súbita da visão em um ou ambos os olhos.
Dor de cabeça intensa e súbita, sem causa aparente.
Para facilitar a memorização e a ação rápida, acrônimos como FAST (Face, Arm, Speech, Time) ou, em português, SAMU (Sorriso, Abraço, Música, Urgência) e RÁPIDO (Rosto, Abraço, Fala, Urgente) são amplamente utilizados em campanhas de saúde. O reconhecimento e a chamada imediata para o serviço de emergência são vitais.
A telemedicina tem revolucionado a resposta ao AVC, especialmente em regiões com escassez de neurologistas e centros especializados. A teleneurologia e as redes de TeleStroke permitem que médicos de emergência em hospitais menores consultem especialistas à distância. Estes podem avaliar exames de imagem (como tomografias) e auxiliar na decisão terapêutica em tempo real, reduzindo drasticamente o tempo entre o diagnóstico e o tratamento [10, 11].
Os benefícios são claros:
Redução do tempo porta-agulha: o intervalo entre a chegada do paciente ao hospital e a administração do tratamento trombolítico é crucial e a telemedicina ajuda a minimizá-lo.
Acesso a especialistas: garante que a expertise de neurologistas esteja disponível mesmo em locais remotos, 24 horas por dia.
Otimização do fluxo de atendimento: agiliza todo o processo, desde a triagem até o tratamento definitivo, impactando diretamente no sucesso terapêutico e na redução de sequelas [12].
O Brasil tem se esforçado para estruturar redes de telemedicina focadas no AVC, visando superar as vastas distâncias geográficas e a desigualdade na distribuição de especialistas. A teleneurologia funciona como um elo, conectando hospitais de menor complexidade a centros de referência, permitindo a avaliação remota de pacientes e a tomada de decisões em tempo hábil [13, 14]. Iniciativas como o TeleAVC oferecem suporte contínuo, 24/7, para hospitais, demonstrando o potencial de vincular serviços e aprimorar o atendimento [15].
No entanto, a implementação plena e equitativa ainda enfrenta desafios:
Barreiras técnicas: a necessidade de infraestrutura de internet robusta e equipamentos adequados é um obstáculo, especialmente em áreas remotas do país.
Barreiras logísticas: a coordenação entre os diferentes níveis de atenção à saúde e a padronização de protocolos são essenciais para a eficácia das redes.
Barreiras legais e regulatórias: a adaptação de marcos legais e regulatórios para garantir a segurança do paciente e a responsabilidade profissional é um processo contínuo.
Acesso e capacitação: é fundamental garantir que tanto os profissionais de saúde estejam capacitados para usar as ferramentas de telemedicina quanto os pacientes tenham acesso a elas [16].
Eventos como o Congresso Brasileiro de AVC têm dedicado sessões à telemedicina, reconhecendo sua importância estratégica. Embora os detalhes dos aprendizados específicos não estejam amplamente divulgados, a inclusão do tema nesses fóruns indica um compromisso contínuo com a discussão de soluções, o compartilhamento de experiências e a busca por melhores práticas para superar os desafios existentes [17].
A Inteligência Artificial (IA) e o Big Data estão abrindo novas fronteiras na prevenção e no manejo do AVC, marcando o advento da neuroinformática avançada. Essas tecnologias permitem a análise de vastos conjuntos de dados de saúde para identificar padrões, prever riscos e otimizar intervenções de forma sem precedentes.
A IA está sendo aplicada em diversas áreas cruciais:
Prevenção e predição de risco: Algoritmos de IA podem analisar dados de prontuários eletrônicos, exames de imagem (como da retina) e eletrocardiogramas para identificar indivíduos com alto risco de AVC [18, 19]. O modelo DeepRETStroke, por exemplo, demonstrou alta precisão na previsão de AVC a partir de imagens da retina [20]. No Brasil, parcerias entre empresas de saúde e farmacêuticas utilizam big data para mapear biomarcadores e rastrear riscos cardiovasculares em larga escala [21].
Diagnóstico precoce e triagem: A IA acelera o diagnóstico, com softwares capazes de identificar um AVC com maior precisão e estimar o tempo do evento e a idade das lesões, informações cruciais para o tratamento [22]. Modelos de IA também estão sendo desenvolvidos para identificar sintomas iniciais de AVC a partir de vídeos faciais, agilizando a triagem [23].
Otimização do tratamento: A IA auxilia na interpretação de exames de imagem, como tomografias, diferenciando AVCs isquêmicos de hemorrágicos e identificando áreas afetadas com precisão, o que é fundamental para guiar terapias como a trombólise [24].
Embora não haja menção específica a um professor e sua equipe" nos resultados da pesquisa, o campo é efervescente. Projetos como o P-Ictus na Europa, que utiliza Big Data para prevenção em pacientes de risco, exemplificam o potencial global. No Brasil, o uso de Big Data em saúde é uma tendência crescente, prometendo ganhos significativos na prevenção e gestão de doenças crônicas como o AVC [25].
Riscos e cuidados éticos
O avanço da IA e do Big Data traz consigo a necessidade de abordar questões éticas cruciais:
Privacidade e segurança dos dados: A proteção de dados sensíveis de pacientes é primordial, exigindo rigorosos protocolos de anonimização e segurança.
Vieses nos algoritmos: Algoritmos treinados com dados históricos podem perpetuar ou amplificar desigualdades existentes. É vital garantir que os modelos sejam justos e equitativos para todas as populações.
Transparência e responsabilidade: A "caixa-preta" de alguns algoritmos de IA pode dificultar a compreensão de suas decisões. É fundamental desenvolver modelos mais transparentes e estabelecer diretrizes claras de responsabilidade em caso de erros.
Supervisão humana: A IA deve ser uma ferramenta de apoio, não um substituto para o julgamento clínico. A supervisão humana é indispensável para a segurança e qualidade do cuidado [26].
O futuro do cuidado com o AVC reside na harmoniosa integração entre tecnologia e humanização. A telemedicina e a inteligência artificial oferecem ferramentas poderosas para otimizar o diagnóstico, o tratamento e o acompanhamento, mas o toque humano, a empatia e a personalização do cuidado permanecem insubstituíveis. A tecnologia deve servir como um facilitador para que os profissionais de saúde possam dedicar mais tempo à interação com o paciente, à educação e ao suporte emocional.
A colaboração entre pesquisadores, profissionais de saúde, gestores públicos e a indústria é essencial para superar os desafios e maximizar os benefícios dessas inovações.
Mensagem aos profissionais de saúde e à população: a prevenção é a estratégia mais eficaz contra o AVC. Conhecer e controlar os fatores de risco (hipertensão, diabetes, colesterol alto, tabagismo, sedentarismo) é fundamental. Para a população, o reconhecimento dos sinais de alerta e a busca imediata por ajuda médica são atitudes que salvam vidas e minimizam sequelas. Em um mundo onde "tempo é cérebro", a inovação tecnológica, aliada ao cuidado humano e à conscientização, é a chave para um futuro com menos AVCs e mais vidas plenas.
[1] AVC.org.br. Números do AVC no Brasil e no Mundo. Disponível em: https://avc.org.br/sobre-a-sbavc/numeros-do-avc-no-brasil-e-no-mundo
[2] Metrópoles. AVC mata um brasileiro a cada seis minutos. Saiba como.... Disponível em: https://www.metropoles.com/saude/avc-mata-um-a-cada-6-minutos
[3] Medicina SA. AVC mata 1 pessoa a cada 6 minutos e gera custo de quase R$ 1 bilhão em seis anos. Disponível em: https://medicinasa.com.br/avc-mortalidade-custos/
[4] InfoMoney. Brasil teve 1 morte por AVC a cada 7 minutos em 2025. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/saude/brasil-teve-1-morte-por-avc-a-cada-7-minutos-em-2025
[5] BVSMS. Acidente Vascular Cerebral. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/acidente-vascular-cerebral
[6] Agência Brasil. Organização Mundial do AVC alerta que 90% dos derrames são preveníveis. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2023-10/organizacao-mundial-do-avc-alerta-que-90-dos-derrames-sao-preveniveis
[7] SanarMed. AVC Isquêmico: diagnóstico e conduta na emergência!. Disponível em: https://sanarmed.com/como-manejar-o-avc-isquemico-yellowbook
[8] Tua Saúde. 12 sintomas de AVC (e o que fazer). Disponível em: https://www.tuasaude.com/sintomas-de-avc-acidente-vascular-cerebral/
[9] Rede D'Or São Luiz. AVC: conheça 7 sinais de alerta. Disponível em: https://www.rededorsaoluiz.com.br/noticias/artigo/avc-conheca-7-sinais-de-alerta
[10] Telemedicina Morsch. Como a teleneurologia atua no diagnóstico do AVC. Disponível em: https://telemedicinamorsch.com.br/blog/teleneurologia-avc
[11] Prefeitura de Erechim. Telemedicina a serviço do diagnóstico e tratamento de AVC no Hospital Santa Terezinha. Disponível em: https://www.pmerechim.rs.gov.br/noticia/20365/telemedicina-a-servico-do-diagnostico-e-tratamento-de-avc-no-hospital-santa-terezinha
[12] IMCCER. A assistência ao paciente com AVC exige resposta rápida.... Disponível em: https://www.instagram.com/imcer.br/reel/DNx1rZ1Qv4H/
[13] USP. Estudo de viabilidade e desenvolvimento de sistema.... Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/17/17157/tde-23042018-162817/es.php
[14] SIATE. A evolução do tele AVC no Brasil e no Mundo. Disponível em: https://www.siate.com.br/2018/06/28/a-evolucao-do-tele-avc-no-brasil-e-no-mundo
[15] IMCCER. Telemedicina e apoio técnico: como superar barreiras geográficas.... Disponível em: https://imcer.com.br/telemedicina-apoio-tecnico-avc
[16] Scielo. Acesso de pacientes com AVC à telessaúde. Disponível em: https://www.scielo.br/j/fp/a/VYqLQKLCvm3vp3qBX3YSbNq
[17] AVC 2025. XV Congresso Brasileiro de AVC. Disponível em: https://www.avc2025.com.br
[18] Klinity. Avanços em Prevenção de AVC: Novas Tecnologias e IA. Disponível em: https://www.klinity.com/blog/avancos-recente-prevencao-avc-tecnologias-ia
[19] Mayo Clinic. A triagem guiada por inteligência artificial usa dados de eletrocardiograma. Disponível em: https://newsnetwork.mayoclinic.org/pt/2022/11/21/a-triagem-guiada-por-inteligencia-artificial-usa-dados-de-eletrocardiograma-para-detectar-os-fatores-de-risco-ocultos-que-provocam-avc
[20] Itatiaia. Inteligência artificial prevê risco de AVC com imagem da retina. Disponível em: https://www.itatiaia.com.br/trends/2025/06/08/inteligencia-artificial-preve-risco-de-avc-com-imagem-da-retina
[21] Saúde Business. Parceria entre Dasa e Novartis utiliza big data para mapear biomarcador cardiovascular. Disponível em: https://www.saudebusiness.com/mercado-da-saude/parceria-entre-dasa-e-novartis-utiliza-big-data-para-mapear-biomarcador-cardiovascular
[22] CNN Brasil. IA pode identificar AVC com o dobro de precisão, mostra estudo. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/ia-pode-identificar-avc-com-o-dobro-de-precisao-mostra-estudo
[23] Jornal da Unesp. Estudo piloto desenvolve modelo de Inteligência Artificial capaz de identificar primeiros sintomas de AVC a partir de vídeos do rosto. Disponível em: https://jornal.unesp.br/2024/07/22/estudo-piloto-desenvolve-modelo-de-inteligencia-artificial-capaz-de-identificar-primeiros-sintomas-de-acidente-vascular-cerebral-avc
[24] Diagnóstico precoce de acidente vascular cerebral. Disponível em: https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/18753
[25] IT Forum. Empresa mostra que é possível prevenir AVC usando big data. Disponível em: https://itforum.com.br/empresa-mostra-que-e-possivel-prevenir-avc-usando-big-data/amp
[26] Scielo. Uso de big data em saúde no Brasil: perspectivas para um.... Disponível em: https://www.scielo.br/j/ress/a/gdPPJMW7YcfK5pk56MJMZPb