Por que os sites estão perdendo audiência?
Em meio à era digital, portais tradicionais perdem audiência enquanto conteúdos curtos e personalizados dominam o consumo de informação; sites de saúde resistem à tendência
Em um mundo cada vez mais conectado, uma tendência contraditória tem se consolidado nos últimos anos: apesar do aumento no acesso à internet, os sites tradicionais de notícias enfrentam uma queda significativa em sua audiência. Este fenômeno, documentado por diversas pesquisas internacionais e nacionais, revela uma transformação profunda na forma como consumimos informação na era digital.
Números da queda
De acordo com o Digital News Report 2024, publicado pelo Reuters Institute for the Study of Journalism da Universidade de Oxford, o consumo de notícias em sites tradicionais tem apresentado declínio consistente em diversos países. O relatório, que analisou dados de mais de 95.000 pessoas em 47 mercados, revela que:
O interesse geral por notícias caiu para níveis historicamente baixos, com apenas 51% dos entrevistados globalmente dizendo estar "muito ou extremamente interessados em notícias", uma queda de 12 pontos percentuais desde 2016.
Na Argentina, por exemplo, o interesse por notícias despencou de 77% em 2017 para apenas 45% em 2024, uma queda de 32 pontos percentuais.
No Brasil, o relatório indica que 49% dos brasileiros evitam ativamente o consumo de notícias, um aumento de 5 pontos percentuais em relação ao ano anterior.
O uso do Facebook para consumo de notícias caiu drasticamente, com redução de 42% em 2016 para apenas 24% em 2024 globalmente.
Dados do IBGE complementam esse cenário no Brasil. Segundo a pesquisa sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios Brasileiros (TIC Domicílios), o acesso à internet via dispositivos móveis cresceu, enquanto o acesso via computadores tradicionais - onde muitos costumavam ler sites de notícias - caiu de 63,2% em 2016 para 34,2% em 2023.
Figura: Tendência no consumo de notícias e acesso digital
Quais fatores estão contribuindo para a diminuição do acesso?
Diversos fatores contribuem para essa mudança no comportamento de consumo de informação:
1. Migração para plataformas de redes sociais: As redes sociais se tornaram a principal fonte de notícias para muitos usuários, especialmente entre os mais jovens. De acordo com o Digital News Report 2024, 42% dos entrevistados afirmam que a internet é sua principal fonte de notícias, com grande parte desse consumo acontecendo via redes sociais e não diretamente nos sites dos veículos. "Plataformas que necessitam de volume de conteúdo para alimentar seus algoritmos são potencialmente outro fator impulsionando esses aumentos", aponta a análise da Universidade Federal do Rio Grande do Sul sobre o relatório. Este fenômeno é confirmado por estudos recentes que mostram que os consumidores agora preferem plataformas de mídia social em vez de sites para recuperação de informações, pois oferecem uma experiência mais envolvente e interativa. Com o surgimento dos dispositivos inteligentes, os usuários acessam informações por meio de mídias sociais em vez de aplicativos individuais, tornando-as um hub central de comunicação em suas vidas diárias.
2. Algoritmos e bolhas de informação: Os algoritmos das redes sociais priorizam conteúdos que geram mais engajamento, nem sempre privilegiando o jornalismo de qualidade. Segundo a pesquisa da ECA/USP sobre os impactos dos algoritmos para o jornalismo brasileiro, publicada em dezembro de 2024, as mudanças constantes nos algoritmos das plataformas afetam diretamente a visibilidade do conteúdo jornalístico. "A lógica por trás dos algoritmos das redes sociais é reter os usuários na plataforma o máximo possível. Mais tempo na plataforma significa mais anúncios visualizados", explica a análise da FreshLab sobre o funcionamento dos algoritmos em 2024.
3. Efeito dos algoritmos de busca e inteligência artificial: As mudanças nos algoritmos de busca e o avanço da inteligência artificial generativa têm alterado significativamente o fluxo de audiência para os sites de notícias. Plataformas como Google e Bing passaram a oferecer respostas diretas aos usuários, reduzindo o destaque para links de portais jornalísticos. Além disso, notícias produzidas por algoritmos de IA tendem a carecer de contextualização e profundidade, reforçando a importância da atuação humana para garantir qualidade e conhecimento no jornalismo.
4. Fadiga informacional e evitação de notícias: O fenômeno conhecido como "news avoidance" (evitação de notícias) tem crescido. Quase metade dos brasileiros (49%) evita ativamente o consumo de notícias, segundo o Digital News Report 2024. As razões incluem o impacto negativo no humor e a sensação de sobrecarga informacional. "Com a disseminação de buscadores que usam inteligência artificial para fornecer respostas e reduzem o número e destaque de links, existe a preocupação de que o tráfego para sites de notícias diminua ainda mais", alerta reportagem da Folha de S.Paulo de junho de 2024.
5. Preferência por formatos mais curtos e dinâmicos: O crescimento de plataformas como TikTok e Instagram para consumo de notícias reflete a preferência por conteúdos mais curtos e visuais. O Digital News Report 2024 destaca que o TikTok já é usado por 22% dos usuários globais para consumo de notícias, com percentuais ainda maiores entre jovens de 18 a 24 anos.
6. Diversificação de plataformas e fragmentação da atenção: O consumo de notícias está cada vez mais fragmentado entre diferentes plataformas digitais. Além das redes sociais tradicionais, aplicativos de mensagens, plataformas de vídeo e agregadores de conteúdo disputam a atenção do público. Esse fenômeno dificulta a fidelização dos leitores aos sites jornalísticos e reduz o tráfego direto, tornando o acesso às notícias mais disperso e dependente de intermediários digitais.
7. Pressão por velocidade e erosão da qualidade jornalística: A busca incessante por velocidade na publicação de notícias, impulsionada pela lógica digital, pode comprometer a apuração e a qualidade do conteúdo jornalístico. O excesso de informação e a necessidade de engajamento levam à produção de notícias superficiais ou sensacionalistas, favorecendo o clickbait e dificultando a reflexão crítica do público. Esse fenômeno, aliado à proliferação de fake news, ameaça o papel do jornalismo como fonte confiável de informação.
8. Desconfiança nas mídias tradicionais: A crise de confiança nas instituições também afeta os veículos de comunicação. O relatório da Reuters aponta que apenas 40% dos entrevistados globalmente confiam na maior parte das notícias na maior parte do tempo, com índices ainda menores em alguns países.
9. Proliferação de desinformação, fake news e desafios de verificação: O ambiente digital facilita a disseminação de desinformação e fake news, fenômenos que minam a credibilidade dos sites jornalísticos. A inteligência artificial potencializa tanto a criação quanto a detecção de notícias falsas, por meio de algoritmos capazes de gerar textos, imagens e vídeos manipulados. Esse cenário exige das redações investimento em tecnologias de checagem e em práticas jornalísticas rigorosas, já que a circulação de conteúdos falsos pode influenciar a opinião pública e desacreditar fontes confiáveis.
10. Impacto dos modelos de negócios e sustentabilidade financeira: A transição para o ambiente digital não trouxe apenas mudanças tecnológicas, mas também profundas transformações nos modelos de negócios do jornalismo. Com a queda das receitas de publicidade tradicional e a ascensão de gigantes como Google e Facebook, os veículos enfrentam o desafio de encontrar fontes sustentáveis de receita. Estratégias como paywalls, assinaturas digitais e oferta de serviços de valor agregado têm sido testadas, mas ainda não se mostraram soluções universais. A necessidade de investir em tecnologia e inovação, aliada à fragmentação do mercado publicitário, pressiona a independência e a qualidade do jornalismo, exigindo das empresas uma reinvenção constante para garantir sua sobrevivência.
11. Crescimento de conteúdo gerado por usuários e influenciadores: Outra tendência relevante é o crescimento do conteúdo gerado por usuários e influenciadores digitais, que competem diretamente com os veículos tradicionais pela audiência e pela narrativa dos fatos. Plataformas colaborativas e redes sociais permitem que qualquer pessoa produza e compartilhe informações, tornando o ambiente informacional mais dinâmico, porém mais suscetível à desinformação e à polarização.
Sites sobre saúde
Enquanto os sites de notícias gerais enfrentam queda de audiência, o cenário para sites com informações de saúde apresenta particularidades interessantes:
Segundo estudo publicado pela revista "Isto É Dinheiro" em 2023, cerca de duas em cada cinco pessoas (39%) usam informações online em vez de visitar seu médico. Esse dado revela a crescente confiança em informações de saúde disponíveis na internet, apesar dos riscos associados.
Figura: qual fonte de informação de saúde é priorizada pelo paciente?
Pesquisas recentes detalham esse comportamento: médicos de clínica geral e sites governamentais estão entre as fontes mais usadas e confiáveis de informações sobre saúde, com taxas de uso variando de 40% a 73%. Existe também uma clara divisão demográfica: adultos mais velhos tendem a preferir fontes tradicionais, como televisão e mídia impressa, enquanto os indivíduos mais jovens estão mais inclinados a usar plataformas online.
Figura: Preferência de busca de informação por faixa etária
O Ministério da Saúde do Brasil tem investido no combate à desinformação na área, reconhecendo o papel crucial da internet na disseminação tanto de informações úteis quanto de conteúdos potencialmente perigosos. Em maio de 2024, o órgão lançou uma campanha específica orientando os cidadãos a "procurar sites oficiais e mais conhecidos sobre os assuntos divulgados, em especial sobre saúde".
Figura: Estratégia de confiança em saúde
A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do IBGE indica que, embora 71% dos brasileiros tenham os serviços públicos de saúde como referência principal, há um crescente número de pessoas que buscam informações preliminares online antes de procurar atendimento médico.
Figura: Compreendendo a busca de informações on-line pelos pacientes
Esse comportamento cria um paradoxo: enquanto sites de notícias gerais perdem audiência, portais especializados em saúde mantêm relevância, especialmente em momentos de crises sanitárias como a pandemia de COVID-19 ou surtos de dengue. Nesses períodos, o Google Trends registrou aumentos expressivos nas buscas por termos relacionados à saúde, como sintomas, doenças, tratamentos e dicas de vida saudável. No Brasil, essa tendência se intensifica, com termos como "onde vacinar" e "como fortalecer a imunidade" entre os mais procurados em momentos-chave, evidenciando que a população busca ativamente na internet um complemento – e, por vezes, uma primeira fonte – para suas dúvidas e necessidades em saúde. Esse movimento sublinha a importância de fontes confiáveis e acessíveis de informação médica online, tanto para o público quanto para os profissionais de saúde.
O perfil dos usuários que buscam informações de saúde nas redes sociais também apresenta padrões específicos: geralmente são mais jovens, mais educados e predominantemente do sexo feminino. Estas plataformas facilitam não apenas o acesso à informação, mas também o compartilhamento de experiências e o apoio emocional, especialmente para pessoas com doenças crônicas, aumentando o envolvimento comunitário. No entanto, apesar dessas vantagens, as mídias sociais podem propagar informações errôneas, levando à ansiedade e à cibercondria - a preocupação excessiva com sintomas após pesquisas online.
O futuro do consumo de notícias
A transformação no consumo de notícias representa tanto desafios quanto oportunidades para o jornalismo. Veículos que conseguem adaptar seu conteúdo para formatos mais dinâmicos e presença efetiva nas redes sociais tendem a sofrer menos com a queda de audiência direta em seus sites.
As empresas de mídia estão respondendo a essa transformação com novas estratégias. Muitas estão aproveitando ferramentas de comunicação personalizadas nas mídias sociais, como anúncios direcionados e estratégias de engajamento do cliente, para aprimorar a experiência do usuário. Além disso, abordagens omnichannel abrangentes estão sendo adotadas, integrando as mídias sociais a outros canais de comunicação digital para otimizar a interação com o público. Embora a mídia social seja atualmente o principal canal, os sites tradicionais ainda desempenham um papel crucial, especialmente para informações detalhadas e comunicações formais.
Para o consumidor de informação, o cenário exige maior discernimento na seleção de fontes confiáveis, especialmente em áreas sensíveis como a saúde. A alfabetização midiática torna-se, assim, uma habilidade essencial para navegar no complexo ecossistema informacional contemporâneo.
Referências:
Reuters Institute for the Study of Journalism. (2024). Digital News Report 2024. University of Oxford. https://reutersinstitute.politics.ox.ac.uk/digital-news-report/2024
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