Encontro online promovido pelo IMCer destaca a importância da telemedicina e seus impactos na assistência e gestão da saúde
No dia 24 de junho, o IMCer – Instituto Mente e Cérebro, que atua na gestão e assistência especializada de hospitais públicos e privados em todo o Brasil, promoveu uma roda de entrevista online com o tema "Aplicações, definições e futuro da telessaúde no Brasil". O evento contou com a participação da Profa. Claudia Galindo Novoa, docente do Departamento de Informática em Saúde da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp), e foi mediado pelo Dr. Diógenes Guimarães Zãn.
Durante a entrevista, a professora compartilhou sua experiência e conhecimento, abordando a trajetória da telessaúde no país, a importância da terminologia correta, os impactos positivos da telemedicina, os desafios das plataformas adequadas e as implicações da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
A docente destacou que, ao contrário da percepção popular, a telemedicina não surgiu com a pandemia de COVID-19. Sua história no Brasil remonta à virada do século, entre 1999 e 2000, com o "Projeto Favela" da Unifesp. Utilizando linhas discadas e softwares rudimentares, a iniciativa já oferecia assistência a crianças desnutridas em comunidades, demonstrando o potencial da telemedicina para superar barreiras de acesso. Entre 2001 e 2002, o "Centro Alpha" da Unifesp estabeleceu o primeiro ambulatório sem papel, onde a telemedicina era praticada.
Marcos importantes incluem a criação da Rede Universitária de Telemedicina (RUTE) pela RNP e, em 2007, o lançamento do programa "Telessaúde Brasil Redes" pelo Ministério da Saúde. As regulamentações do Conselho Federal de Medicina (CFM), iniciadas em 2002 e consolidadas em 2022, foram cruciais para a aceitação e formalização da telemedicina como um "novo modelo de assistência", expandindo-se posteriormente para outras áreas da saúde, como enfermagem e psicologia.
Um dos pontos centrais da discussão, enfatizado pelo Dr. Diógenes, foi a necessidade de rigor terminológico. A palestrante esclareceu que "Telessaúde" é um termo guarda-chuva que abrange todas as ações de saúde realizadas via telecomunicação, incluindo tele-enfermagem, tele-psicologia, tele-farmacologia, entre outras. Já "Telemedicina" refere-se especificamente ao ato médico realizado por médicos.
Outros termos importantes definidos foram:
Teleconsultoria: Troca de informações entre profissionais de saúde para esclarecimento de dúvidas.
Teleinterconsulta: Uma forma de teleconsultoria onde um especialista conversa com outro especialista sobre um caso.
Telediagnóstico: Termo cunhado para a emissão de laudos à distância, mas que, segundo a especialista, deveria ser mais precisamente chamado de "Telelaudo", pois o diagnóstico completo envolve a história clínica do paciente.
Tele-educação: Atividades de educação continuada e disseminação de conhecimento à distância, como o próprio evento.
A professora alertou sobre o uso de termos imprecisos, como "teleparecer", que não possuem respaldo jurídico ou ético, podendo gerar insegurança para profissionais e pacientes. "É preciso dar o nome certo às coisas para não incorrer em erros jurídicos", afirmou.
Para a docente, o maior benefício da telemedicina é a capacidade de "levar o especialista extra muros". Isso significa que o paciente não precisa se deslocar para grandes centros urbanos ou hospitais para ter acesso a um profissional qualificado. A telemedicina permite que especialistas, mesmo em outros estados ou países, ofereçam suporte em emergências, áreas isoladas ou de difícil acesso, democratizando o acesso à saúde. "Estou dando acesso a esses pacientes e acesso a esses profissionais de saúde que estão discutindo com esse especialista o melhor atendimento que eu posso", ressaltou.
A discussão sobre as plataformas adequadas foi um dos momentos mais críticos do evento. A especialista foi enfática ao afirmar que ferramentas comuns como WhatsApp, Zoom e o próprio telefone não atendem às exigências legais e clínicas de um serviço de telemedicina estruturado. A falta de registro formal, rastreabilidade, garantia de identidade dos envolvidos e segurança da LGPD tornam essas plataformas inadequadas para a troca de informações sensíveis de pacientes.
Plataformas estruturadas, por outro lado, devem integrar-se ao prontuário eletrônico do paciente, registrar áudios e vídeos, exigir assinatura digital, consentimento documentado e possuir trilhas de auditoria. "Plataformas de saúde são extremamente complexas", explicou, comparando-as à complexidade de um prontuário eletrônico.
A negligência na integração dos registros de telemedicina ao prontuário eletrônico do paciente foi apontada como um risco significativo. A professora alertou que, se uma teleconsultoria ou telemedicina não for devidamente registrada, "se não está registrado, não existe". A falta de um registro adequado pode levar a implicações jurídicas graves, tanto para o profissional quanto para a instituição, especialmente em casos de desfechos negativos. A corresponsabilidade é um ponto crucial: quem orienta e quem executa são igualmente responsáveis.
A LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) foi outro tema de grande preocupação. A palestrante destacou que dados de saúde são sensíveis e o vazamento de informações em grupos informais (mesmo que não sejam WhatsApp) pode gerar multas milionárias e processos por danos morais, além de comprometer a confiança institucional. Ela enfatizou a necessidade de que os profissionais de saúde compreendam a LGPD e suas implicações para garantir boas práticas e evitar riscos.
Questionada pelo Dr. Diógenes sobre o futuro da telessaúde no Brasil, a professora expressou otimismo. Ela elogiou a academia e os grupos de pesquisa brasileiros, que são "extremamente capacitados e fantásticos". Apesar dos desafios de investimento e financiamento, o país possui iniciativas promissoras e pesquisadores dedicados. Como exemplos de evolução internacional, a docente citou a Europa e os Estados Unidos, que possuem modelos avançados de telemedicina.
A especialista também compartilhou sua opinião pessoal, revelando sua paixão pela teleconsultoria, que considera ter um valor muito superior à teleconsulta. Segundo ela, a teleconsultoria, especialmente a assíncrona, oferece um apoio fundamental aos profissionais, permitindo a discussão de casos complexos e a tomada de decisões mais assertivas, mesmo à distância.
O evento, que contou com a participação de dezenas de profissionais, reforçou a importância de um debate sério e aprofundado sobre a telessaúde, essencial para sua implementação segura e eficaz no sistema de saúde brasileiro.